Pensei nele ao amanhecer, assim, do nada, e aí conclui que devia prestar-lhe uma homenagem e não há outra forma, neste momento, senão escrevendo sobre sua essência e fragmentos de sua vida no meu modesto modo de vê-lo e interpretá-lo.
Médico em nosso torrão natal, a cidade de Acopiara, no sertão central do Ceará, professor de nossa língua por vocação, amante da boa escrita, Gentil Domingues, o Dr. Gentil, era pessoa simples, autêntica e de alma pura. Viveu a vida a seu modo, não se importando com clichês e modismos próprios de sua época. Simplesmente vivia a sua maneira.
Chamava-me por Florentino, sobrenome da família de minha mãe. Até hoje não sei o motivo porque assim me nominava e nunca tive a curiosidade de perguntá-lo. Deixa pra lá... Chico talvez não fosse muito agradável aos seus apurados ouvidos e nunca me importei com isso, até gostava. Certamente reprovaria também o Xiko com “x“...
Homem não afeito a vaidades, sua vestimenta sempre foi de cor branca. Não me recordo de tê-lo visto com roupas que não fossem de cor branca, independentemente do local, sejam em festas, solenidades, aulas, enfim, ele era indiferente as liturgias de cada momento social. Era uma de suas marcas. É indissociável imaginarmos a figura de Gentil Domingues sem a cor branca. E o fazia não por orgulho de sua profissão, mas como um dever de ofício. Uma atitude que diz muito sobre sua personalidade.
Várias foram às passagens de sua vida que compartilhei e, dentre as marcantes, uma delas foi quando me convidou para uma churrascaria – a única da época em Acopiara – a fim de participarmos da comemoração de um aniversário. Eu, adolescente, sentei-me a mesa e este me ofertou um copo de cerveja. Logo em seguida, Dr. Gentil foi convidado a falar homenageando o aniversariante e assim o fez com a maestria que lhe era peculiar. Em seguida, passou-me a palavra. Surpreso, incrédulo, lembro-me de ter balbuciado um conjunto de palavras sem muito nexo. Foi o mote que precisava para buscar conhecimentos em oratória. Era um provocador...
Em encontros sociais ou reservadamente gostávamos de discutir sobre a linguagem de certo colunista de um grande jornal cearense que assassinava o vernáculo - eu apenas molesto - e ainda possuía conteúdo ininteligível, mas era apreciado - e ainda o é. Sobre a nossa língua, sempre recomendava: “caso a construção de uma frase não lhe soe bem, refaça-a, pois é provável que esteja errada.” Boas lembranças, sábios ensinamentos.
Exerceu a medicina sem o viés mercantilista que hoje impera na profissão e o fez por convicção, por vocação e por amor ao ser humano. Era um humanista...
Por tudo isso e muito mais, Dr. Gentil Domingues será lembrado como um homem que soube viver sem se importar com o que os outros e a sociedade pensavam ou julgavam sobre si. Simplesmente viveu. Deixou um legado que raros o farão.
Este blog, sob todos os aspectos, tem um pouco dele. Agradeci-o em vida. Agradeço-o depois de ter partido. Sempre agradecê-lo-ei.